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Fiocruz vai testar vacina inédita para hanseníase no Brasil

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O estudo no Brasil tem financiamento do Ministério da Saúde e do fundo japonês Global Health Innovative Technology Fund.

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Uma vacina inédita para hanseníase será testada no Brasil pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Chamada de LepVax, a vacina será a primeira para a doença avaliada no país durante testes clínicos.

A autorização para o começo dos testes foi concedida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nesta segunda-feira (14).

O Instituto foi escolhido como centro clínico responsável pelos testes por sua larga contribuição científica nos estudos de hanseníase. O Laboratório de Hanseníase do IOC/Fiocruz atua na pesquisa e no atendimento a pacientes no âmbito do Serviço de Referência Nacional em Hanseníase junto ao Ministério da Saúde.

Com alta capacidade para realizar estudos clínicos, o Laboratório conta com equipe multiprofissional e estrutura para análises imunológicas e moleculares.

O estudo no Brasil também tem financiamento do Ministério da Saúde e do fundo japonês Global Health Innovative Technology Fund (GHIT Fund). A Fundação de Saúde Sasakawa, do Japão, é parceira da pesquisa.

Se os resultados dos estudos forem positivos, a vacina para hanseníase poderá, futuramente, fazer parte do calendário nacional de imunizações. O Brasil é o segundo país com maior número de casos da doença no mundo, atrás apenas da Índia.

Em dez anos, de 2014 a 2023, foram quase 245 mil novas infecções, segundo o Ministério da Saúde. Apenas em 2023, foram 22.773 novos casos.

Cercada por preconceito, a hanseníase é uma doença negligenciada, que pode provocar lesões graves na pele e nos nervos. Com tratamento disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), a doença tem cura.

Porém, muitos casos são identificados com atraso, quando já existem danos que prejudicam a qualidade de vida e a capacidade de trabalho dos pacientes.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a infecção ocorre em 120 países, com cerca de 200 mil novos casos a cada ano.

Embora seja uma das doenças mais antigas do mundo, com relatos de casos há mais de quatro mil anos, até hoje não existe uma vacina. A imunização com a vacina BCG é indicada para prevenir a infecção em pessoas de maior risco, mas a proteção é parcial.

Testes pré-clínicos tiveram resultados promissores. Em camundongos vacinados com LepVax, a taxa de infecção foi significativamente reduzida, mesmo diante da exposição a grande quantidade de bactérias. Quando a vacina foi administrada após a infecção, o dano no nervo motor e sensorial foi retardado em tatus, que são considerados como modelo para estudos da forma neurológica da hanseníase. Esses resultados sinalizaram o potencial para uso da vacina na prevenção e no tratamento da doença.

A primeira etapa do ensaio com seres humanos, chamada de fase 1a, foi realizada nos Estados Unidos, com imunização de 24 voluntários sadios.

O estudo demonstrou segurança da vacina, sem nenhum registro de evento adverso grave. Também apontou imunogenicidade, ou seja, capacidade de estimular a resposta imunológica.

Ensaio no Brasil

O teste no Brasil será o primeiro da LepVax em um território com transmissão da hanseníase. Classificado como um ensaio clínico de fase 1b, o estudo terá o objetivo de confirmar a segurança e a imunogenicidade da vacina. Segundo Verônica, essa avaliação é importante porque, considerando o cenário epidemiológico do país, possivelmente o sistema imunológico de grande parte dos brasileiros teve contato anterior com micobactérias, o que pode influenciar na resposta à vacina.

O cenário é o mesmo nos demais países endêmicos para hanseníase, onde o imunizante poderá ser adotado.

“No Brasil, mesmo as pessoas que nunca tiveram hanseníase podem ter entrado em contato com a M. leprae e temos circulação de outras micobactérias, como a causadora da tuberculose. Os brasileiros também são vacinados com BCG ao nascer. É uma realidade diferente dos Estados Unidos, onde não existe transmissão do agravo”, explica a imunologista.

O estudo terá participação de 54 voluntários sadios. Além de avaliar a segurança e a imunogenicidade da vacina, a pesquisa vai investigar a segurança em duas formulações da vacina, com baixa e alta dose de antígeno. 

Para isso, os participantes serão divididos aleatoriamente em três grupos. Dois receberão a vacina, sendo um com dose baixa e outro com dose alta. O terceiro grupo receberá o placebo – uma solução salina, que não causa efeito biológico.

Independentemente da dosagem baixa ou alta, a vacinação será realizada em três aplicações, com intervalo de 28 dias entre elas, assim como ocorreu no teste americano. Depois disso, os participantes serão acompanhados por um ano, totalizando 421 dias de ensaio clínico.

Recrutamento de voluntários

O estudo foi aprovado pelo Comitê Ética em Pesquisa com Seres Humanos do IOC (CEP Fiocruz/IOC) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

Após o aval da Anvisa, será realizada a importação da vacina dos Estados Unidos para o Brasil e iniciado o recrutamento dos voluntários.

Para participar, é preciso ter entre 18 e 55 anos e boas condições de saúde. Nessa etapa do estudo, os voluntários não podem ser pessoas que já tiveram a doença ou com contato próximo com pacientes com hanseníase.

A imunização experimental também não pode ser aplicada em grávidas. A participação na pesquisa terá duração aproximada de 14 meses. Nesse período, os voluntários deverão comparecer a onze consultas, sendo três para aplicação da vacina e as demais para acompanhamento. Durante as visitas, os participantes passarão por avaliação clínica e exames de sangue e urina.

Seguindo as determinações legais, os voluntários não poderão ser remunerados pela participação na pesquisa. Está previsto o ressarcimento por custos como deslocamentos e alimentação. Os participantes também terão assistência médica, com contato por telefone disponível 24 horas, caso necessitem de atendimento relacionado à imunização.

A vacinação e o acompanhamento dos participantes serão realizados no Ambulatório Souza Araújo, mantido pelo Laboratório de Hanseníase do IOC/Fiocruz, no campus da Fiocruz, em Manguinhos, Zona Norte do Rio de Janeiro (Av. Brasil, 4.365).

Além de contar com equipe especializada, a unidade é certificada pela Organização Nacional de Acreditação (ONA), que atesta aplicação de diretrizes e políticas organizacionais para um atendimento seguro e de qualidade. Uma sala de vacinação recém-inaugurada no espaço será utilizada durante a pesquisa.

Interessados em participar do estudo podem entrar em contato pelo e-mail vacina.lepvax@ioc.fiocruz.br ou pelo telefone/WhatsApp (21) 93618-5232.