O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta, com 720 mil toneladas de pesticidas para uso agrícola, de acordo com os dados mais recentes da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). A quantia representa quase 60% a mais do que a utilizada pelos Estados Unidos, que ocupa o segundo lugar do ranking mundial.
Por trás dos números, estão todos que trabalham diretamente na aplicação do insumo. Expostos aos agroquímicos, trabalhadores rurais estão sujeitos a inúmeros problemas de saúde, incluindo intoxicações agudas e crônicas, além de danos aos sistemas nervoso, respiratório, reprodutivo e endócrino.
Apesar dos agrotóxicos serem utilizados para preservar plantações contra insetos, bactérias e fungos, frequentemente apresentam impactos negativos à saúde humana, ainda mais para quem trabalha cotidianamente com as substâncias.
A contaminação ocorre durante o manuseio, a diluição, a mistura, a aplicação e o descarte de agrotóxicos, bem como durante a limpeza de recipientes e manuseio de culturas.
A Organização Internacional do Trabalho alerta ainda para o impacto combinado da exposição a agroquímicos com o calor excessivo em razão das mudanças climáticas. A medida que os trabalhadores suam mais, correm o risco de uma maior exposição devido à elevada taxa de absorção dérmica. Agrotóxicos também podem afetar os mecanismos de regulação da temperatura do corpo, o que poderia reduzir a capacidade de adaptação do trabalhador ao calor.
“O uso de equipamentos de proteção é importante para abrandar os efeitos. Mas esse uso é improvável considerando as situações reais de trabalho sob sol intenso, com poeira, em longas jornadas”, avalia o procurador Leomar Daroncho, do Ministério Público do Trabalho. “As bulas dos fabricantes recomendam equipamentos complexos, alguns deles incompatíveis com as nossas condições climáticas”, completa.
Cenário brasileiro
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) chama atenção para a grande quantidade de agrotóxicos banidos em outros países que ainda são usados no Brasil, apontando que, mais de 20 insumos utilizados no país são proibidos na União Europeia.
“Alguns dos produtos mais vendidos aqui, casos da atrazina (proibida na União Européia há 20 anos), mancozebe, acefato, clorotalonil e clorpirifós estão banidos da Europa. Na grande quantidade de agrotóxicos autorizados no Brasil, nos últimos anos, cerca de 50% não são admitidos nos países de origem”, completa Daroncho. .
Saúde é a melhor colheita
Neste sábado (25), Dia do Trabalhador Rural, o Grupo de Trabalho Interinstitucional (GETRIN) do Programa Trabalho Seguro da Justiça do Trabalho chama atenção para os riscos da exposição a agrotóxicos à saúde de trabalhadoras e trabalhadores rurais e lança a campanha “Saúde é a melhor colheita”.
A ação visa conscientizar os profissionais que atuam no campo e toda a sociedade sobre os riscos à saúde no manuseio incorreto de agrotóxicos. A campanha, que será realizada até o final do ano, tem como público-alvo trabalhadores (as) rurais e suas famílias; produtores agrícolas; comunidades rurais expostas aos agrotóxicos e sindicatos e associações de classe do setor.
Efeitos dos agrotóxicos na saúde
Em escala global, a Organização Internacional do Trabalho contabiliza mais de 300 mil mortes anualmente devido ao envenenamento por pesticidas. Os dados mais recentes da agência da ONU apontam como impactos primários na saúde de trabalhadores que atuam expostos a agrotóxicos:
- envenenamento;
- câncer;
- neurotoxicidade;
- desregulação endócrina;
- distúrbios reprodutivos;
- doenças cardiovasculares;
- doenças pulmonares; e
- imunossupressão.
De acordo com a publicação “Atlas dos Agrotóxicos”, da Fundação Heinrich Böll, a cada ano, cerca de 385 milhões de pessoas sofrem intoxicação por agrotóxicos ao redor do mundo.
O material destaca que trabalhadores rurais de países em desenvolvimento são particularmente afetados, e alerta para a relação entre a exposição a agrotóxicos e a incidência de doenças crônicas, como Parkinson e leucemia infantil, além de maior risco para câncer de fígado e mama, diabetes tipo 2, asma, alergias, obesidade, defeitos congênitos, partos prematuros e distúrbios de crescimento.
Formas de intoxicação e sintomas
As principais formas de contaminação do organismo do trabalhador rural são pela boca, pele e respiratória (por nariz e boca, atingindo os pulmões).
O contato direto ocorre, por exemplo, durante o preparo, aplicação ou qualquer tipo de manuseio com o produto. Já o indireto ocorre pela contaminação da água e dos alimentos ingeridos. As intoxicações podem ser agudas (imediata) ou crônicas (com manifestação ao longo do tempo).
Como identificar intoxicação por agrotóxicos
A “Cartilha sobre Agrotóxicos: Série Trilhas do Campo”, da Anvisa, traz um rol das reações mais comuns para ter atenção quanto a contaminações por diferentes vias de intoxicação:
Contaminação por contato com a pele:
- Irritação – pele vermelha, quente e dolorosa, inchaço e, às vezes, ardência e brotoejas;
- Desidratação – pele seca, escamosa, às vezes, infeccionada, com dor e pus, e evoluindo para cicatrizes deformadas, esbranquiçadas ou escuras.
- Alergia – brotoejas com coceiras
Contaminação pela respiração:
- Ardência do nariz e da boca
- Tosse
- Corrimento de nariz
- Dor no peito
- Dificuldade de respirar
Contaminação pela boca:
- Irritação da boca e garganta
- Dor de estômago
- Náuseas
- Vômitos
- Diarreia
Efeitos gerais após a contaminação prolongada:
- Dor de cabeça
- Transpiração anormal
- Fraqueza
- Câimbras
- Tremores
- Irritabilidade
- Dificuldade para dormir
- Dificuldade de aprender
- Esquecimento
- Aborto
- Impotência
- Depressão
O que fazer em caso de intoxicação por agrotóxicos
Caso a pessoa identifique um ou mais desses sintomas, deve buscar orientação e atendimento junto ao Programa de Saúde da Família de sua região, postos de saúde ou emergências dos hospitais locais, Centros de Referência em Saúde do Trabalhador e conversar com agentes comunitários de saúde.
Além disso, também é possível tirar dúvidas por meio do serviço Disque Intoxicação (0800-722-6001 – a ligação é gratuita). Neste telefone, tanto usuários quanto profissionais de saúde podem buscar orientação em casos de intoxicação.
A pessoa é atendida por uma das 36 unidades da Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica (Renaciat).
Os custos da intoxicação para as contas públicas
De acordo com dados da Fundação Heinrich Böll, o Sistema Único de Saúde (SUS) desembolsa R$ 150 para cada caso de intoxicação por agrotóxicos que demanda tratamento. A estimativa anual de custo para o sistema público de saúde é de R$ 45 milhões.
A organização afirma ainda que o tratamento das contaminações por agroquímicos ultrapassa os valores gastos na compra desses produtos. Segundo a fundação, para cada US$ 1 gasto na compra dos produtos, o SUS pode ser onerado em até US$ 1,28 para tratar um(a) profissional do campo que ficou doente por conta do trabalho com agrotóxicos.
Gestão responsável na agricultura
De acordo com a Norma Regulamentadora nº 31 (NR-31), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), é responsabilidade do empregador rural:
- fornecer, gratuitamente, Equipamentos de Proteção Individual (EPI) adequados e devidamente higienizados;
- responsabilizar-se pela descontaminação das vestimentas ao fim de cada jornada de trabalho;
- disponibilizar local com água, sabão e toalhas para higiene pessoal e guarda da roupa de uso pessoal;
- garantir que nenhum EPI ou vestimenta de trabalho contaminados sejam levados para fora do ambiente de trabalho;
- assegurar que nenhum dispositivo de proteção ou vestimenta de trabalho seja reutilizado antes da devida descontaminação.
A norma também prevê a obrigatoriedade de disponibilizar banho ao trabalhador, após finalizadas todas as atividades envolvendo o preparo e/ou aplicação dos produtos.
Quem apresentar sintomas de intoxicação deve ser imediatamente afastado das atividades e transportado para atendimento médico. É fundamental apresentar ao profissional de saúde as informações contidas nos rótulos e bulas dos agrotóxicos com que a pessoa teve contato recentemente.
Incentivo a boas práticas
No Brasil, o Programa Nacional de Bioinsumos busca estimular o uso de produtos biológicos de baixo risco na produção agrícola e pecuária. Entre suas diretrizes estão o desenvolvimento de alternativas economicamente viáveis e ecologicamente sustentáveis, adoção de práticas sustentáveis com tecnologias e produtos desenvolvidos a partir de recursos renováveis, e valorização da biodiversidade brasileira.
Plano Safra 2023/2024: O programa governamental de linhas de crédito e incentivos a produtores rurais oferece premiações para aqueles que adotam práticas agropecuárias consideradas mais sustentáveis.
Renovagro: Programa de Financiamento a Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis: O Renovagro é uma linha de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que oferece financiamento para sistemas agropecuários sustentáveis e conta com três modalidades que apoiam iniciativas como recomposição de reservas legais e áreas de proteção permanentes (APP) e recuperação de pastagens degradadas.
Agroecológica como caminho possível
Outra alternativa ao modelo de agricultura convencional, é a agroecologia. Nesta abordagem, o manejo dos sistemas agrícolas considera a viabilidade econômica dos pequenos produtores aliada a princípios ecológicos, com atenção à conservação ambiental e à saúde pública.
A agroecologia colabora com a redução do risco de contaminação por agrotóxicos, já que diminui a dependência dos insumos, otimizando a saúde do solo e a biodiversidade da propriedade por meio de práticas como diversificação de culturas e uso de adubos verdes.
Além disso, estimula a independência do(a) produtor(a), diminui custos ao priorizar utilização de técnicas e recursos locais, potencializa a segurança alimentar através da rotação de culturas e incentiva a organização comunitária, promovendo troca de conhecimentos tradicionais e científicos.