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Por que remédios contra a dor não surtem o mesmo efeito em algumas pessoas?

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Resistência aos efeitos da morfina está relacionada a vários mecanismos neurobiológicos complexos.

Os opioides são analgésicos potentes, usados para tratar dores pontuais ou crônicas. A equipe do pesquisador francês Cyril Rivat, do Instituto de Neurociências, em Montpellier, no sul da França, busca entender por que moléculas como a morfina pioram a dor de certos pacientes ou não fazem efeito.

A expectativa é que o futuro remédio, ao bloquear um receptor cerebral chamado FLT3, possa controlar as reações indesejadas que decorrem do uso da morfina. Os testes clínicos da fase 1 com humanos devem começar em 2025 na França.

A resistência aos efeitos da morfina está relacionada a vários mecanismos neurobiológicos complexos, que ainda estão sendo identificados pela Ciência e estão relacionados ao receptor cerebral onde age a morfina. “Estamos avançando, mas ainda há questões em aberto”, diz o cientista.

Diversos estudos mostram que a estimulação frequente do receptor acaba diminuindo o efeito da morfina, que fica restrita à parte interna da membrana cerebral. Esse mecanismo altera sua função analgésica, que é eliminar a dor.

A morfina também pode, em alguns casos, provocar um aumento da sensação dolorosa, como demonstrou um estudo recente do pesquisador francês, publicado na revista Nature Communications.

“Pode ser totalmente paradoxal, mas podemos explicar esse fenômeno do ponto de vista neurobiológico. Trata-se de um mecanismo de adaptação do organismo, que tenta se defender contra o uso dos opioides”, detalha.

O neurocientista francês lembra que nem todas as pessoas estão propensas a essas reações adversas.

“A morfina continua sendo uma das melhores moléculas que existem no tratamento contra a dor. Há usuários que se tornam dependentes químicos, como revela a crise dos opioides nos Estados Unidos, mas a molécula continua sendo uma referência e demonstra uma grande eficácia”.

Dores neuropáticas

Em suas pesquisas sobre o tema, que tiveram início em 2018, o cientista francês descobriu, em testes celulares no laboratório e com animais, que esses dois efeitos após o uso da morfina – aumento da dor e resistência ao efeito analgésico – também eram observados nos pacientes com dores neuropáticas.

O cientista também constatou que, ao bloquear o receptor FLT3, a morfina voltava a fazer efeito. Nos animais, o resultado foi ainda mais impressionante. “Conseguíamos bloquear a resistência, o aumento da dor e melhorávamos os efeitos analgésicos da morfina.”

Os mecanismos do receptor FLT3 nas dores neuropáticas também são alvo de uma colaboração entre o pesquisador francês e o cientista brasileiro Thiago Cunha, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

“O professor Thiago Cunha também é um especialista das dores neuropáticas, mas estuda as interações que chamamos de neuro-imunes, entre o sistema nervoso e o sistema imunológico”, explica. “O receptor FLT3 é ativado por um neuromediador produzido pelas células imunitárias. Estamos tentando entender melhor essa interação existente entre esse neuromediador e o receptor FLT3”.