A rotina dos caminhoneiros no Brasil é marcada por longas jornadas de trabalho, pressão por prazos e solidão. Essa combinação tem levado muitos profissionais ao adoecimento físico e mental.
Emerson André, conhecido como “Facebook”, está há 16 anos na estrada e relata que a ausência em casa e o cansaço acumulado têm causado sofrimento a ele e a muitos colegas.
Enfrentar a solidão e manter a calma nem sempre é fácil. Há 27 anos, Daniel Francisco de Lima, o Del Caminhoneiro, roda pelas estradas do país.
Como autônomo, ele tem o próprio caminhão, mas também presta serviço a uma empresa. Del avalia que a tensão é constante. Mas quem tem muito tempo de estrada, como ele, aprende a dominar também momentos de raiva ou tensão.
O procurador do Trabalho Paulo Douglas de Moraes alerta que a saúde mental dos motoristas é um problema estrutural no setor, resultando no chamado “apagão de motoristas”: a categoria está envelhecendo, e os jovens não se interessam pela profissão.
Pesquisa do Ministério Público do Trabalho mostra que a falta de definição na carga horária e o modelo de pagamento por comissão geram insegurança. Mais da metade dos motoristas trabalha de 9 a 16 horas por dia, desrespeitando a lei que prevê 11 horas de descanso a cada 24 horas.
A sobrecarga também leva ao uso frequente de drogas para manter-se acordado. Dados de 2023 indicam que 27% dos caminhoneiros fazem uso de substâncias como rebites e até cocaína para suportar as longas jornadas.
Outro problema enfrentado é a falta de pontos de parada adequados. Muitos motoristas dormem em postos de combustível ou dentro do caminhão, ficando expostos a assaltos, sequestros e roubos de carga.
Pesquisas acadêmicas revelam que jornadas acima de 12 horas aumentam em três vezes o risco de transtornos como ansiedade e depressão. Um em cada cinco caminhoneiros apresenta algum grau de vulnerabilidade emocional.
Alan Medeiros, da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos, diz que outra questão a ser observada é que, em geral, os caminhoneiros não gostam de se expor emocionalmente.
“É comum a gente perceber queixas relacionadas a problemas físicos, dores nas costas, por exemplo, questões de obesidade. Mas, quando a gente trata de problemas psicológicos, há uma espécie de blindagem no caminhoneiro porque ele não quer demonstrar fragilidade.”
Para o psiquiatra Alcides Trentin Junior, a sociedade minimiza os danos de se dirigir por longos períodos.
“Dirigir como motorista profissional com essa jornada de trabalho precisa ser enxergado como uma profissão penosa, pelo estresse físico, químico, biológico e mental que o motorista sofre por tantas horas dentro de um veículo”, afirma o psiquiatra.
Especialistas defendem políticas públicas e infraestrutura adequada nas rodovias, além de avaliações periódicas da saúde dos motoristas. O descuido com a saúde mental aumenta também o risco de acidentes graves.
Com a atualização da Norma Regulamentadora nº 1, empresas terão de identificar riscos psicossociais no ambiente de trabalho. A expectativa é que esse avanço traga mais segurança, tanto para os caminhoneiros quanto para todos os usuários das estradas brasileiras.
*Colaborou Luciene Cruz, da Rádio Nacional.