BBC NEWS – Acredita-se que uma das principais e mais populares carnes para as festas natalinas na Idade Média era cabeça de javali em conserva.
A cabeça do animal era normalmente apresentada com uma maçã na mandíbula e elaborada decoração com ervas.
A iguaria era tão apreciada que ganhou até uma canção: o Cântico da Cabeça de Javali, que era entoado quando ela entrava na sala sobre a travessa. Nas residências ricas, a canção era apresentada por menestréis – os artistas medievais – e anunciada por trombetas.
Um possível método incluía fatiar o rosto do javali e conservá-lo em sal por várias semanas, junto com carne do interior da cabeça, antes de costurá-lo de volta em uma espécie de Frankenstein suíno.
Afirma-se que o prato terminado teria um sabor delicioso de torta de carne de porco e era muitas vezes servido com “músculo” – carne dos ombros do javali, preservada em cidra, vinho ou vinagre.
Outro prato medieval levemente macabro era o “pavão dourado”, que envolvia esfolar um pavão mantendo suas penas e a cabeça. O corpo era então assado e, por fim, colocado de volta no lugar.
As penas poderiam então ser espalhadas pela mesa e a crista da ave era decorada com folhas de ouro para formar uma impressionante decoração de Natal.
A ENTRADA DO PERU
Em 1526, um jovem proprietário de terras de Yorkshire, na Inglaterra, voltou para casa após uma longa viagem. William Strickland havia navegado para o Novo Mundo em uma viagem de descobertas, onde comprara seis aves com aparência estranha de comerciantes nativos americanos.
Essas aves tinham pedaços de pele oscilantes que balançavam junto aos bicos como meias vermelhas e gostavam de desfilar com suas caudas expostas. Eram perus e, quando seu navio atracou no porto de Bristol, Strickland os vendeu a habitantes locais por dois pences cada um.
Ou pelo menos foi assim que Strickland contou posteriormente como havia introduzido o peru na Inglaterra, embora sua história nunca tenha sido confirmada.
Décadas depois, o rei Eduardo 6° permitiu que ele incluísse a ave no brasão da família – a primeira ilustração já feita de um peru no mundo ocidental.
Recentemente, foram encontradas evidências adicionais dessa história. Em 1981, arqueólogos escavavam um local chamado Paul Street, no centro da cidade de Exeter, no sul da Inglaterra, e encontraram ossos de peru. Na época, o achado não foi considerado muito significativo. Mas, em 2018, uma nova análise revelou algo surpreendente.
Os ossos de peru encontrados estavam rodeados de vidro e cerâmica sofisticada, o que sugere que eles teriam sido consumidos como parte de um antigo banquete da nobreza. Os fragmentos foram datados como sendo de 1520 a 1550, o que está de acordo com a introdução das aves no país em 1526.
Portanto, eles não eram perus comuns – poderão ter sido alguns dos primeiros perus da Inglaterra.
Embora esse novo tipo de ave tenha levado séculos para cair no gosto do público em geral, os perus fizeram sucesso imediato junto à elite. Eram muito apreciados principalmente por serem exóticos. Como o colorido pavão, originário da Índia, ter peru na mesa era um símbolo de status importante.
O peru também foi associado quase instantaneamente ao almoço de Natal, possivelmente porque ele atinge seu tamanho adulto no outono e normalmente as aves são abatidas no meio do inverno do hemisfério norte.
Nos séculos que se seguiram, o peru se tornou parte importante dos banquetes de Natal da classe mais abastada.
Na década de 1920, os avanços da produção de alimentos trouxeram reduções dos preços. Pequenas fazendas foram absorvidas pelas grandes e surgiram máquinas agrícolas de ponta.
E os perus domésticos foram criados para tornar-se adultos mais rapidamente e assumir proporções gigantescas.
Uma década mais tarde, os perus finalmente tornaram-se acessíveis para as pessoas comuns – ainda que custando cerca de uma semana de salário – e, nos anos 1930, eles superaram outros tipos de carne, tornando-se o prato principal entre os assados típicos do Natal.
Mas pode ainda haver uma evolução por vir. Em algumas partes do mundo, surgem os primeiros sinais de que os perus não são mais considerados apenas ceias de Natal ambulantes, mas sim aves muito sociáveis e afetuosas que adoram massagens no pescoço.
Segundo alguns relatos, eles podem ser realmente carentes de atenção. Talvez os perus não sejam vistos como almoço de Natal para sempre.
* Zaria Gorvett é jornalista sênior da BBC Future.