Toda semana, mais de 600 mulheres em Santa Catarina recorrem à Justiça para obter medidas protetivas contra a violência doméstica. No outro extremo da estatística, somente entre janeiro e julho de 2025, o Judiciário catarinense julgou 106 casos de feminicídio — quase quatro por semana. O número representa um aumento de 36% em relação a 2024.
Os dados foram divulgados nesta sexta-feira (22) por magistradas do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), em coletiva realizada na Capital.
O levantamento inédito reúne informações de janeiro de 2024 a julho de 2025 sobre a atuação do Judiciário no enfrentamento à violência contra a mulher.
A desembargadora Hildemar Meneguzzi de Carvalho, responsável pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica (Cevid), abriu a apresentação:
“Os dados que vamos apresentar não parecem reais, mas infelizmente são”.
Coube à juíza Naiara Brancher, coordenadora adjunta da Cevid e titular da Vara de Violência Doméstica da Capital, detalhar os números. Ao lado delas, participou também a juíza auxiliar da Presidência, Maira Salete Meneghetti.
Medidas protetivas em alta
De acordo com o relatório, a Justiça catarinense concedeu 18.387 medidas protetivas nos primeiros sete meses deste ano — uma média de 87 por dia. O número representa alta de 8,1% em comparação ao mesmo período de 2024.
Previstas na Lei Maria da Penha, essas medidas determinam, entre outras ações, o afastamento do agressor, a proibição de contato e a restrição de aproximação da vítima.
O levantamento também apontou que, de janeiro a julho de 2025, o Judiciário julgou 23.416 ações relacionadas à violência doméstica, o que corresponde a 28,9% de toda a competência criminal do Estado. Na prática, quase um terço dos processos penais julgados envolvem violência contra a mulher.
Desafios além da punição
Segundo a juíza Naiara Brancher, o combate ao problema exige mais que resposta judicial:
“Se nós, mulheres, aqui nesta coletiva, não sofremos violência, com certeza conhecemos alguém próximo de nós que sofre, porque estamos falando do fenômeno mais democraticamente perverso que existe na nossa sociedade.”
Ela ressaltou que o Judiciário tem cumprido seu papel de punir, mas que é preciso enfrentar as raízes estruturais do problema.
“Investimos fortemente na prevenção: vamos às escolas, falamos com os jovens, produzimos materiais didáticos, promovemos debates e fomentamos grupos reflexivos para autores de violência.”
A juíza Maira Salete Meneghetti complementou:
“Os números espelham a sociedade que nós somos. O Judiciário está pronto para responder em poucas horas a um pedido de socorro, independentemente de dia ou horário.”
Panorama regional
O levantamento considerou as nove regiões judiciárias do Estado. O Litoral Norte lidera em medidas protetivas concedidas em 2025, com 2.927 registros, um salto de 53% em relação ao mesmo período de 2024. A Foz do Rio Itajaí aparece em seguida, com 2.787 medidas (alta de 5%).
No outro extremo, o Planalto Norte foi a região com menos concessões: 810 em 2025, contra 774 em 2024 (aumento de 4,6%).
Estrutura de enfrentamento
À frente da articulação institucional está a Cevid, que atua em parceria com Ministério Público, Defensoria Pública, Executivo e sociedade civil. O órgão promove redes municipais, grupos reflexivos de homens autores de violência, produção de cartilhas educativas e projetos de conscientização em escolas e universidades.
Para a desembargadora Hildemar, o enfrentamento precisa ser contínuo:
“A violência contra a mulher é um problema estrutural e complexo, que exige resposta coordenada de todo o sistema de Justiça.”
Os números invisíveis
Questionada sobre o dado mais preocupante, a juíza Naiara foi enfática:
“Os números que não aparecem. As mulheres que vivem sob violência e não procuram o Judiciário, as que estão neste momento totalmente desprotegidas. Esse é o dado mais preocupante.”
A coletiva foi conduzida por Francis Silvy, coordenador do Núcleo de Comunicação Institucional do TJSC.
📌 Serviço
Como pedir ajuda: As vítimas podem procurar a Central Especializada de Atendimento às Vítimas de Crimes (CEAV) do TJSC, que oferece atendimento humanizado, orientação jurídica, social, médica e psicológica. Pedidos de medidas protetivas podem ser feitos presencialmente, pelo Balcão Virtual, WhatsApp, e-mail ou telefone.
Violência contra a mulher: Qualquer conduta de discriminação, agressão ou coerção motivada pela condição de gênero, que cause dano físico, psicológico, sexual, moral, social, político, econômico ou patrimonial.
Feminicídio: Assassinato de uma mulher em razão de sua condição de mulher. Desde outubro de 2024, é crime autônomo previsto no art. 121-A do Código Penal, com pena de 20 a 40 anos de reclusão.