Morreu na última terça-feira (1°), de causas naturais, uma das principais lideranças na comunidade Guarani da região Norte catarinense.
Benito Oliveira, ou Karai Mirim (em Guarani), tinha 110 anos e não falava uma palavra em português — pronunciava apenas Tupi. Reservado, tinha pouco contato com a cidade, exceto quando precisava lutar pelos direitos da população indígena.
Ele passou seus últimos dias de vida na terra indígena Morro Alto, em São Francisco do Sul. Na cultura indígena, como Benito morreu de causas naturais, a despedida aconteceu na casa de reza, onde o corpo ficou em vigília por duas noites.
Na tarde de quinta-feira (3), Benito foi colocado em uma espécie de caixão construído com taquara nativa, trançado como um cesto. Depois, o corpo foi enterrado.
Karai Mirim era um líder espiritual, que foi preparado para ser pajé desde criança. Na função, desempenhava o papel de médico, auxiliando com remédios e consultas para a população; padre, realizando celebrações e casamentos; e até psicólogo, dando conselhos para jovens e adultos.
No decorrer da vida, morou em todas as aldeias da cultura Guarani da região, teve sete filhos e ficou viúvo em 2019. A esposa também faleceu com mais de 100 anos.
Leonardo Werá Tupã, representante político da aldeia, contou que, na década de 1980, o líder espiritual se deslocou em duas oportunidades a Brasília, onde acontecia a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88, para, junto aos deputados e demais políticos, cobrar um capítulo na nova Constituição que reconhecesse os territórios indígenas.
“Na época, não tinha deputado suficiente pra aprovar o capítulo especial para os índios. Por aqui, o pessoal se agilizou e buscou a parte dos nossos pajés e eles se mobilizaram em todo canto do país, principalmente os Guaranis do Sul e Sudeste, e cada aldeia se organizava à noite com rezas e cerimônias. Isso aconteceu por vários meses seguidos. E o Benito viajou pra lá [Brasília] porque ele achava importante para nossas vidas”, lembra Leonardo.
Na ocasião, em seu artigo 231, a Constituição da República Federativa de 1988 reconheceu aos índios o direito originário às terras que tradicionalmente ocupam. No entanto, a luta para permanecerem em seus locais de origem continua até hoje.
Bárbara de Jesus, jornalista e antropóloga que tem uma dissertação que trata da territorialidade Guarani na região do Litoral Norte de SC, explica que a terra Morro Alto foi declarada na modalidade Terra Indígena em 2009.
Ela conta que os estudos de delimitação iniciaram em 1996, com um longo período de pesquisa, refutação por parte das comunidades e reinício dos estudos de delimitação, que culminou na declaração em 2009.
No entanto, segundo a antropóloga, depois de todo esse tempo de luta, as portarias declaratórias emitidas pelo Ministério da Justiça foram contestadas na Justiça por um conjunto de empresários e políticos da região Norte, que conseguiu derrubar a declaração no TRF4 em Porto Alegre (RS). Portanto, o reconhecimento de Terra Indígena na localidade não foi homologado ainda. A Morro Alto abrange 8,94 km² de terras.