O júri de Leandro Boldrini, denunciado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, por matar o filho Bernardo Uglione Boldrini, começou na segunda-feira, 20 de março, na cidade de Três Passos.
Leandro estava sendo acusado pelos crimes de homicídio quadruplamente qualificado (motivo torpe, motivo fútil, emprego de veneno e dissimulação), ocultação de cadáver e falsidade ideológica.
O depoimento da delegada Caroline Bamberg Machado, responsável pela investigação da morte do menino, em 2014, falou por quase 6 horas. Após as oitivas das 10 testemunhas e o interrogatório do réu, os jurados acolheram a tese do Ministério Público e condenaram nesta quinta-feira, 23 de março, o pai de Bernardo. Ele foi sentenciado à pena de 31 anos e 8 meses de prisão.
O caso
Bernardo desapareceu em 4 de abril de 2014, quando tinha 11 anos. Seu corpo foi encontrado 10 dias depois, enterrado em uma cova vertical dentro de uma propriedade às margens de um riacho na cidade de Frederico Westphalen.
No mesmo dia, o pai e a madrasta da criança, Graciele Ugulini, foram presos por serem, respectivamente, o mentor intelectual e a executora do crime.
A amiga dela, Edelvânia Wirganovicz, também foi presa por ajudar no assassinato. Dias depois, Evandro Wirganovicz, irmão de Edelvânia, foi preso por ser quem preparou a cova onde o menino foi enterrado. Os quatro réus foram condenados em 2019, mas o júri de Leandro foi anulado em dezembro de 2021. Mesmo assim, ele seguia preso preventivamente desde 2014.
Graciele foi condenada a 34 anos e 7 meses de prisão em regime fechado por homicídio quadruplamente qualificado e ocultação de cadáver.
Como aconteceu
O assassinato de Bernardo teve início na cidade Três Passos, por volta das 12h, e terminou com sua execução, às 15h do mesmo dia, em Frederico Westphalen. Graciele, a pretexto de agradar o menino, o conduziu até Frederico Westphalen. Ao iniciar a viagem, ainda em Três Passos, deu ao enteado midazolam – medicação de uso controlado – sob argumento de que era preciso evitar enjoos.
Em seguida, já na cidade vizinha, Graciele e Bernardo se encontraram com Edelvânia, amiga da madrasta. O casal ofereceu dinheiro para Edelvânia ajudar a executar o crime. Os três seguiram para local antecipadamente escolhido, próximo a um riacho, onde a cova foi aberta dias antes por Evandro.
Dando sequência ao crime, Graciele, sempre com integral apoio moral e material de Edelvânia, mais uma vez enganando a vítima, agora a pretexto de lhe dar uma “picadinha”, para ser “benzida”, aplicou em Bernardo injeção de Midazolam em quantidade suficiente para lhe causar a morte, conforme laudo pericial que atesta a presença do medicamento no estômago, rins e fígado da vítima.
Após as injeções letais, o menino foi jogado em uma vala, onde depois recebeu soda cáustica antes de o buraco ser fechado com ele, já morto, dentro.
Segundo a denúncia, o médico Leandro Boldrini, interessado no desfecho da ação, concorreu para a prática do crime contra seu próprio filho como mentor e incentivador da atuação de Graciele.
Ele participou “em todas as etapas da empreitada delituosa, inclusive no que diz respeito à arregimentação de colaboradores, à execução direta do homicídio, à criação de álibi, além de patrocinar despesas e recompensas, bem como ao fornecer meios para acesso à droga Midazolam, utilizada para matar a vítima”. Depois de matar e enterrar o filho, Leandro fez um falso registro policial do desaparecimento de Bernardo para que ninguém descobrisse o crime.
A motivação
Conforme o Ministério Público, o médico e a madrasta não queriam dividir com Bernardo a herança deixada pela mãe dele, Odilaine, que morreu em 2010, e consideravam o menino um estorvo para a família.
Odilaine Uglione, mãe do menino Bernardo, cometeu suicídio ao deferir um tiro contra a própria cabeça, em fevereiro de 2010, dentro do consultório do então marido, o médico Leandro Boldrini.
A investigação isentou Boldrini, o principal suspeito, pela morte de Odilaine. No entanto, um inquérito de mais de 1,5 mil páginas demonstrou o relacionamento conflituoso do casal e o descaso do médico nos cuidados da saúde mental da ex-mulher – que, segundo testemunhas, sofria de distúrbios psicológicos.
A Polícia Civil não conseguiu identificar a origem da arma e nem qualquer seguro de vida em nome da mãe de Bernardo, mas tem a certeza, com base em exames, que ela não estava sob o efeito de medicamentos ao se matar. Quanto a um bilhete de despedida, deixada por Odilaine, ficou evidentemente provado, com critérios científicos, que não foi ela que escreveu.
Antecedentes
Bernardo vivia com o pai e a madrasta, porém, segundo as investigações, a relação familiar entre os três não era boa. Em gravações apresentadas para esclarecer o caso, a madrasta chega a dizer “vamos ver quem vai primeiro para debaixo da terra” e “prefiro apodrecer na cadeia do que ficar nessa casa contigo incomodando”.
Já o pai demostrava desinteresse pelo menino. Numa gravação, onde Bernardo chegou a empunhar um facão, este lhe disse: “vamos, machão, faz alguma coisa com esta faca”. Testemunhas relataram, também, que Bernardo chegava a ficar vários dias fora de casa, sem que o pai o procurasse. Durante o julgamento, uma ex-professora do menino e testemunha do caso disse: “[Bernardo] nunca ganhou colo do pai”. Ainda em 2014, Bernardo pediu a um juiz para mudar de família, o que, depois do crime, acabou causando uma discussão sobre o funcionamento da rede de apoio e amparo às crianças no Brasil.
*Com informações do Ministério Público do Rio Grande do Sul