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Estudo revela contaminação e “Overdose de Nicotina” em produtores de fumo de SC

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Água contaminada e intoxicação por nicotina expõem riscos da produção de tabaco em Santa Catarina.

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Uma pesquisa recente expõe a grave realidade dos produtores de fumo em Chapadão do Lageado, município do Vale do Itajaí, em Santa Catarina. O estudo aponta que o cultivo do tabaco não só contamina continuamente os agricultores com nicotina e agrotóxicos, mas também afeta os recursos hídricos da região.

Os resultados, alarmantes, indicam que a maioria dos produtores sofre da “doença da folha verde do tabaco”, popularmente conhecida como “overdose de nicotina”, e que a contaminação da água é uma realidade local.

A pesquisa foi conduzida por especialistas da Universidade Regional de Blumenau (Furb), da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina (Conicet).

Publicado na edição deste mês da revista Desenvolvimento e Meio Ambiente, do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o trabalho entrevistou 107 produtores, revelando que 91,6% deles relataram sintomas da doença da folha verde do tabaco (DFVT), uma intoxicação por absorção de nicotina, agravada pelo uso incorreto de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).

🔎 Para saber: Santa Catarina é um dos maiores produtores de fumo no Brasil. Segundo a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), na safra 2023/24, o estado produziu 158 mil toneladas de tabaco, o equivalente a 29,6% da produção da região Sul, em uma área de 86 mil hectares.

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Contaminação além das lavouras

A Dra. Giane Carla Kopper Müller, doutora em engenharia ambiental pela Furb e coautora do estudo, iniciou a pesquisa motivada pela presença de agroquímicos em fontes de água de suas próprias terras, mesmo estando protegidas e distantes das lavouras.

Para entender a origem dessa contaminação, foram coletadas 36 amostras de água dos rios do Meio, Figueiredo e Lageado, os principais do município, além de seis amostras de poços de consumo humano.

As análises detectaram resíduos de pesticidas em 18 das 36 amostras de água, a maioria em rios próximos às lavouras.

Preocupantemente, princípios ativos como sulfentrazone, imidacloprid e thiamethoxam foram identificados em concentrações que superam o limite individual máximo de 100 nanogramos por litro, estabelecido pela União Europeia para água potável – parâmetro inexistente no Brasil para esses ingredientes ativos. Quatro dos seis poços analisados também estavam contaminados.

O estudo não se limitou à água. A coautora Lorena Benathar Ballod Tavares, professora da Furb, explica que o objetivo era compreender a influência das práticas dos fumicultores na saúde dos envolvidos na produção.

As visitas às propriedades rurais e as entrevistas com 107 participantes, que representam 42% dos fumicultores da região, revelaram que:

  • A maioria trabalha em pequenas propriedades e tem o tabaco como principal fonte de renda (85%).
  • Quase todos (97,80%) escolhem o tabaco devido à rentabilidade, especialmente em pequenas áreas.
  • Crianças e idosos também participam da colheita, aumentando a vulnerabilidade.
  • Além dos 91,6% com sintomas de DFVT, 19,6% relataram sintomas decorrentes da manipulação de agrotóxicos.

O drama da doença da Folha Verde do Tabaco

O artigo destaca que o uso incorreto ou insuficiente de EPIs, além de falhas no descarte e descontaminação de roupas, elevam drasticamente o risco de intoxicação.

Apesar de 99% dos entrevistados reconhecerem a importância dos EPIs, apenas metade afirma usá-los sempre ao manusear pesticidas.

A situação é ainda mais grave pela exposição à nicotina das folhas verdes e úmidas do tabaco, absorvida pela pele sem proteção adequada, especialmente durante a colheita, e pelas inalações respiratórias durante a secagem da planta em estufas.

O Instituto Nacional de Câncer (Inca) lista entre os sintomas da DFVT: perda de apetite, náuseas, vômitos, tonturas, dores de cabeça, fraqueza muscular, cólica abdominal, diarreia, suor frio, tremores, alterações na frequência cardíaca e pressão arterial, visão embaçada e dificuldade para respirar.

Os resultados da pesquisa também apontam uma clara carência de ações e estratégias de orientação e capacitação para os produtores.

O estudo reforça que a automedicação é comum entre os produtores, que muitas vezes recorrem a bebidas para tentar prevenir ou aliviar os sintomas da doença.

No entanto, a maioria (22,4%) simplesmente espera o desconforto passar sem tomar medidas efetivas, evidenciando a necessidade urgente de intervenções para proteger a saúde desses trabalhadores.