Pesquisa aborda relação entre fé e crime

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Facções impõem símbolos e narrativas pentecostais em favelas do Rio.

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É madrugada. Enquanto a maioria da favela dorme, um traficante está alerta. Ele é o responsável pela segurança da comunidade naquele dia. O silêncio nos becos é repentinamente interrompido pela aparição de um inimigo de outra facção.

Os dois trocam tiros e o que foi surpreendido decide recorrer aos céus. “Eu orei na hora e disse ‘Senhor, se eu sou teu filho, cega esse homem, para que ele não me tire a vida’. E agora, tô eu aqui, pra glória de Deus, em nome de Jesus”.

O episódio é descrito no livro Traficantes evangélicos. Quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus, da pastora e cientista da religião Viviane Costa.

Ela ouviu a história do próprio protagonista, enquanto dava aulas de teologia em igrejas localizadas no Complexo de Israel. A região, cujo nome se refere ao povo escolhido no Antigo Testamento bíblico, reúne cinco favelas na zona norte do Rio de Janeiro: Parada de Lucas, Vigário Geral, Cidade Alta, Cinco Bocas e Pica-Pau.

Elas são administradas por Álvaro Malaquias Santa Rosa, conhecido como Peixão, que além de traficante, também se identifica como pastor evangélico. Há, pelo menos, oito anos, ele tem expandido o número de territórios sob seu domínio.

Seria mais uma história recorrente na guerra de facções do Rio de Janeiro, se não fosse o uso extensivo dos símbolos e narrativas neopentecostais. Uma Estrela de Davi no topo da favela. Bandeiras de Israel desenhadas por toda parte. Passagens bíblicas escritas nos muros, entre as quais se destaca a frase Jesus é o dono do lugar.

Para completar, postura intolerante e agressiva contra outras religiões como terreiros de Umbanda e Candomblé fechados e destruídos, imagens de santos católicos proibidas.

Nesse cenário, surgem alguns questionamentos, alguém envolvido em atividades ilícitas – como tráfico de drogas, torturas e assassinatos – pode ser um religioso fervoroso ao mesmo tempo? Crime e fé são compatíveis? O que determina se um cristão é legítimo ou não?

A pesquisa de Viviane Costa passa por essas questões. Em entrevista à Agência Brasil, ela diz que é preciso entender esses traficantes dentro de um contexto maior, de crescimento da fé evangélica pentecostal no país e de como ela vem dialogando com outras identidades culturais.