Claudia Tavares Hoeckler, de 40 anos, que matou o marido e escondeu o corpo dentro de um frezer, foi denunciada em fevereiro deste ano, por homicídio duplamente qualificado, ocultação de cadáver e falsidade ideológica. O crime ocorreu em Lacerdópolis, no Meio-Oeste, em novembro do ano passado.
Hoeckler, que estava detida na unidade feminina de Chapecó, teve liminar em habeas corpus concedida pelo Tribunal de Justiça de SC e vai aguardar o julgamento em liberdade. O advogado dela afirmou que a morte foi motivada por episódios anteriores de violência doméstica. “Uma mulher maltratada e violentada, física e psicologicamente, que para preservar sua vida, matou”, disse, em nota, logo após a prisão de Cláudia.

Vida marcada por abusos
A mulher que confessou ter matado o marido relatou ter tido uma vida marcada por abusos e abandonos desde os primeiros anos de vida, em entrevista ao UOL, em 2022. A pedagoga Claudia Tavares Hoeckler afirmou ser filha de uma garota de programa, ter sido criada por uma desconhecida nos primeiros anos de vida e engravidado na adolescência.
Além disso, foi abusada sexualmente pelo padrasto e nunca conviveu com o pai. Horas antes de ser presa, ela afirmou que se sentia “mais livre do que nunca”.
O último de seus agressores, segundo ela, foi o marido com quem viveu por mais de 20 anos. Ela disse ao canal Beto Ribeiro, no YouTube, que, na noite anterior ao assassinato, foi agredida e ameaçada de morte pelo motorista.
Claudia nasceu em Chapecó (SC) quando sua mãe, que trabalhava como prostituta, tinha 16 anos. Uma irmã, nascida pouco depois, foi entregue para a adoção. Ela afirma que morou em uma casa “onde ficavam os filhos das prostitutas” até os quatro ou cinco anos e, com essa idade, foi levada pela mãe para a casa de uma senhora que a criou até os seus 12 anos.
Claudia disse ter começado a estudar aos 7 anos graças à ajuda de vizinhos, que arrecadaram material escolar doado e a matricularam em uma escola. O pai nunca a registrou como filha. “Eu conheci ele com 28 anos. E eu o vi só uma vez na vida”, contou ela.
Claudia disse ter 17 anos quando começou o namoro com Valdemir. Ele tinha 29. Após quatro meses de namoro, Claudia descobriu que Valdemir era casado e tinha três filhos. “Mas eu já estava apaixonada e acabei aceitando. A minha mãe proibiu o namoro, mas eu continuei saindo com ele escondida, e acabei engravidando”, conta.
Ela foi expulsa de casa e rompeu o relacionamento com Valdemir. A pedagoga relata que passou a gestação trabalhando como cuidadora de uma idosa.
Claudia disse só ter retomado o contato com Valdemir quando a filha contraiu pneumonia, com três semanas de vida. “Tive que ligar para ele e pedir dinheiro”, diz. Mesmo casado, o namoro foi reatado — e as agressões começaram. Ela cogitava terminar o relacionamento, mas sofria ameaças.
Claudia disse ter tentado fugir e até mesmo viver um outro relacionamento, já que não aceitava mais ser amante. Foi quando Valdemir deixou a esposa para viver com ela e a filha.
Mas ele sempre agia com violência quando contrariado. Agressões sem marcas visíveis. Ela disse que o marido tinha o cuidado de agredi-la em locais onde as marcas da violência não ficassem aparentes. Houve, segundo ela, uma escalada da violência.
“Uma vez, ele passou a noite inteira dizendo que iria me matar. Ele dizia que, se eu não obedecesse e não ficasse com ele, ele iria me matar. Eu sofria calada.”
Claudia relata que, em uma das discussões, tentou se jogar do carro em movimento. “Eu preferia morrer do que viver aquele inferno. Várias vezes eu quis morrer”, disse.
Ela contou ainda que a filha decidiu sair de casa quando tinha apenas 18 anos por não aguentar a convivência em casa. “E ela nunca mais voltou. Nunca mais falou com o pai.”
Cláudia afirma que tentou deixar o marido em 2019, quando procurou a Polícia Civil para denunciá-lo. “Eu pedi medida protetiva. Mas o que é um boletim de ocorrência? Se o homem chega lá e te agride, aí você chama a polícia. E, quando a polícia chega, você já está morta. Essa é a realidade. É ou não é?”, questionou.
Depois disso, ela voltou a se acertar com Valdemir, que pediu que ela retirasse a queixa. Ela obedeceu. Mas a relação de ciúme e possessão se agravou nos últimos anos, segundo ela.
A gota d’água
No dia 13 de novembro, um dia antes do crime, Claudia tinha ido em uma confraternização com outras professoras. Ela fez questão de informar todos os passos ao marido, com mensagens, chamadas de vídeo e fotos mostrando onde estava.
“De repente, ele aparece lá na pizzaria. Algumas pessoas deram risada.” Mas a gota d’água foi uma viagem que ela faria com as colegas. “Ele me bateu e disse que eu não iria. Que, se eu fosse, ele iria me matar. Então, eu falei para as meninas que estava com dor de garganta.”
Dia do crime
Ela relata que, no domingo, tentou convencer novamente o marido a deixá-la viajar na segunda-feira pela manhã. Mas, de acordo com Claudia, Valdemir Valdemir disse que se acordasse e não visse a esposa, a mataria quando ela voltasse para casa.
Diante da negativa e da ameaça, Claudia disse que “teve um surto”: Eu pensei: “já que alguém vai morrer, então seja você”.
Após dar remédios para dormir ao marido, junto com outros medicamentos de rotina, ela esperou ele adormecer e cobriu sua boca e nariz com uma sacola de supermercado.
Enquanto o asfixiava, pensou em parar, relata, mas disse que desistiu porque, “se eu parasse e ele acordasse, ele iria me matar. Era ou ele”.
Denúncia
Segundo a denúncia, no dia 14 de novembro de 2022, Claúdia teria dopado o marido, Valdemir Hoeckler, de 52 anos, com medicamentos de rotina para que ele dormisse.
Na sequência, ela o amarrou pelos pés, pernas e braços até imobilizá-lo. Por fim, a mulher colocou uma sacola plástica na cabeça da vítima e apertou com pedaços de borracha para impedir a passagem do ar, provocando sua morte. Após a consumação do homicídio, a ré escondeu o corpo em um freezer na área de serviço anexa à cozinha.
No dia seguinte, registrou um boletim de ocorrência sobre o desaparecimento do marido, mobilizando policiais civis e militares, bombeiros e até vizinhos e amigos para as buscas.
O corpo foi localizado no freezer em 19 de novembro, cinco dias após o crime, enrolado em um lençol e coberto por alimentos e bebidas. Refrigerantes, que estavam em cima do corpo, foram oferecidos aos bombeiros que ajudavam nas buscas.
Liberdade
O pedido liminar em habeas corpus baseou-se em vários fatores que apontam para a possibilidade de Claudia responder em liberdade.
Entre as razões apresentadas, destacam-se que a acusada possui residência fixa e trabalho lícito. Além disso, foi argumentado que no dia anterior ao crime, Claudia sofreu violência doméstica.
A mulher deverá usar tornozeleira eletrônica, comparecer a todos os atos da ação penal e, mensalmente, justificar suas atividades em juízo.