‘A mulherada tá louca atrás de homem sabe? ’ Falas misóginas de Desembargador serão apuradas pelo Ministério Público

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O caso teve repercussão nacional e suscitou a manifestação de diversas entidades, inclusive o Ministério Público, contra a fala do magistrado.

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Em Curitiba, o Ministério Público do Paraná, por meio da Promotoria de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos, abriu procedimento (notícia de fato) para apurar a possível prática de dano moral coletivo ao gênero feminino em manifestações do desembargador Luís César de Paula Espíndola, durante sessão da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, ocorrida em 3 de julho último.

O caso teve repercussão nacional e suscitou a manifestação de diversas entidades, inclusive o Ministério Público, contra a fala do magistrado. Em consequência, a Corregedoria Nacional de Justiça abriu procedimento de reclamação disciplinar após tomar conhecimento de que o desembargador “teria proferido fala de conteúdo potencialmente preconceituoso em relação à vítima menor, além de ter tecido comentários inadequados e de conteúdo aparentemente misógino, em caso sensível de assédio envolvendo menor de 12 anos, e cuja medida protetiva havia sido requerida pelo Ministério Público”.

Por quatro votos a um, o tribunal decidiu manter a medida protetiva. O voto contrário foi do desembargador Espindola. Ele chegou a dizer que ‘mulheres estão loucas atrás dos homens’ (veja mais detalhes abaixo). 

As falas do desembargador, que desrespeitam e menosprezam as vozes das mulheres ao rotular o feminismo como “ultrapassado” e sugerir que “hoje em dia as mulheres estão loucas atrás dos homens”, revelam uma visão profundamente discriminatória e desconectada da realidade”, afirma nota da Promotoria Pública do Paraná. 

Machismo estrutural – A 12ª Câmara Cível julgava pedido de medida protetiva em favor de uma aluna de 12 anos de União da Vitória que se sentiu assediada por um professor. Ele teria pedido o contato da menina e enviado mensagem a ela, elogiando-a e pedindo sigilo sobre a comunicação. A aluna informou que se sentia assediada e que o professor dirigia a ela olhares maliciosos e “piscadas”.

No pedido de medida protetiva, apresentado pelo Ministério Público do Paraná, foi solicitado que o professor não desse aulas para a turma na qual a aluna está matriculada e fosse proibido de se aproximar dela.

O desembargador manifestou-se contrário à concessão da medida protetiva, chegando a alegar que se tratava de “ego de adolescente” que “precisava de atenção”. Após a fala de uma colega, que ressaltou o machismo estrutural na sociedade, ele a contestou, com manifestação de teor considerado machista e misógino, razão pela qual a Promotoria de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos resolveu instaurar procedimento para averiguar o fato.

Apesar do voto contrário do magistrado (único nesse sentido no julgamento do caso pela 12a Câmara Cível), a medida protetiva foi mantida pelo Tribunal, para proteger a aluna do contato com o docente diante do seu constrangimento.

A Promotoria de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos informou ter recebido por diversos canais indicações de outros casos em que, em sessão de julgamentos de recursos ou mesmo na lavratura de votos, o desembargador “teria violado o decoro do cargo, com utilização de linguagem inadequada, expressando misoginia, valendo-se de estereótipos com preconceito de gênero, causadores de danos morais coletivos por ofensa a dignidade humana de mulheres adultas, bem como de crianças ou adolescentes do sexo feminino”, alegando que “não se trata de um fato isolado”.

A 12ª Câmara Civil é a responsável no tribunal por julgar casos de Direito de Família, união estável e homoafetiva. O desembargador Espindola, que hoje preside o colegiado, já foi condenado, em 2018, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), pela Lei Maria da Penha, por agredir a própria mãe e a irmã.

O STJ condenou Espindola a 7 meses de prisão, mas a pena não foi aplicada porque o caso prescreveu.

Entenda o caso

Os desembargadores julgavam um recurso de um professor de uma escola pública da cidade de União da Vitória. O pedido era para derrubar uma medida protetiva que proíbe o professor de se aproximar de uma aluna de 12 anos.

Ao justificar o voto contrário, Espindola disse que não concorda com a atitude, mas que não há provas contra o professor.

“Muito embora essa conduta, né, para alguns não seja própria e eu até concordo que para mim não seria próprio, mas hoje em dia, a relação aluno e professor, sabe, a gente vê, não só… Lá é uma comarcazinha pequena, do interiorzão, todo mundo se conhece, sabe? É diferente de uma assim… de uma Curitiba da vida, sabe, ou de uma cidade maior.”

Logo após o desembargador proclamar o resultado, a desembargadora Ivanise Trates Martins, que não fazia parte do quórum, se manifestou:

“Nós, mulheres, sofremos muito assédio desde criança, na adolescência, na fase adulta, e há um comportamento masculino lamentavelmente na sociedade que reforça esse machismo estrutural, ou que hoje a gente chama de machismo estrutural, que é poder olhar, piscar, mexer, dizer que é bonitinha, ‘uma sua roupa tá com você, tá?’ Puxa esse jeitinho de fazer de conta que tá elogiando, mas que, nós mulheres, percebemos a lascívia quando os homens nos tratam dessa forma. E talvez os homens não saibam ou não tenham ideia do que uma mulher sente quando são tratadas com uma lascívia disfarçada. Nós sabemos, uma piscadinha, um olhar, quem sabe numa sala de aula, ou em qualquer outro lugar, extremamente constrangedor, extremamente constrangedor.”

Em seguida, o presidente da 12ª Câmara Cível voltou a se pronunciar:

“Vem com o processo um discurso feminista desatualizado, porque se essa vossa excelência sair na rua hoje em dia o que quem tá assediando, quem está correndo atrás de homens são as mulheres, porque não tem homem, sabe? Esse mercado é um mercado que está bem diferente. Hoje em dia sabe o que o que existe, essa é a realidade as mulheres estão loucas atrás dos homens, porque são muito poucos sabe? Esse é o mercado… É só sair à noite, eu não saio muito à noite, mas eu eu conheço, tenho funcionárias, tenho sabe… tenho contato com o mundo. Nossa, a mulherada tá louca atrás do homem sabe? Louca para levar um elogio, uma piscada, sabe? Uma cantada educada, porque elas é que estão cantando, elas que estão assediando, porque não tem homem, essa é a nossa realidade hoje em dia, não só aqui no Brasil sabe? Isso é óbvio, né? Hoje em dia os cachorrinhos estão sendo os companheiros das mulheres, vai no parque só tem mulher com cachorrinho, louca para encontrar um companheiro para conversar e eventualmente para namorar. Agora a coisa chegou num ponto hoje em dia entendeu? Que as mulheres é que estão assediando, sabe? Não sei se vossa excelência sabe, professores de faculdade, sabe, são assediados. É ou não é, doutora? Quando sai da faculdade, ele deixa um monte de ‘viúva’, a gente vê, cansado de ver isso e sabe disso sabe? Então, tudo é muito, é muito, é muito pessoal, esse é um discurso que eu acho que está superado, sabe, as mulheres ninguém tá correndo atrás de mulher porque tá sobrando.”

Organizações condenam postura

A fala desta quarta-feira do desembargador sobre as mulheres causou reações imediatas.

Em nota de repúdio pública, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) condenou as declarações classificadas como “odiosas” e pede atuação do Poder Judiciário. Para a presidente da OAB no Paraná, Marilena Winter, o teor do pronunciamento é “inaceitável”.

“Estamos diante de um magistrado, de uma pessoa com poder decisório, na contramão de tudo que estamos vivenciando na sociedade, no que o Poder Judiciário tem estabelecido como diretriz de conduta para uma mudança de realidade. Então, essa transformação, todos sabemos que temos séculos de história de discriminação contra mulheres, de obstáculos que foram criados, todos os Poderes assumem a responsabilidade por essa mudança.”