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Vida marcada por abusos: Acusada de matar o marido e guardar corpo no freezer vai a júri

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Crime que chocou a região terá desfecho no Tribunal do Júri; mulher alega ter agido após décadas de violência doméstica.

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A Justiça da comarca de Capinzal, no meio-oeste catarinense, marcou para o dia 28 de agosto, às 9h, o julgamento popular de Cláudia Tavares Hoeckler, acusada de matar o marido, Valdemir Hoeckler, e ocultar o corpo em um freezer na casa onde moravam, em Lacerdópolis, no ano de 2022.

O júri acontecerá na Câmara Municipal de Vereadores, com o sorteio dos jurados previsto para o dia 7 de agosto.

A ré será julgada por homicídio duplamente qualificado — por asfixia e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima —, além de ocultação de cadáver e falsidade ideológica. O processo tramita em segredo de justiça.

Segundo a denúncia do Ministério Público, o crime ocorreu em 14 de novembro de 2022, quando Cláudia teria dopado o marido com medicamentos, amarrado seus braços e pernas, e o asfixiado com uma sacola plástica presa com pedaços de borracha.

Após o homicídio, escondeu o corpo em um freezer na área de serviço da casa. No dia seguinte, registrou um boletim de ocorrência relatando o desaparecimento de Valdemir, mobilizando buscas com apoio da polícia, bombeiros e vizinhos.

O corpo foi localizado cinco dias depois, em 19 de novembro, enrolado em um lençol e coberto por alimentos. Refrigerantes, que estavam em cima do corpo, foram oferecidos aos bombeiros que ajudavam nas buscas.

Cláudia chegou a confessar o crime e foi presa preventivamente, permanecendo no sistema prisional de novembro de 2022 até agosto de 2023, quando foi liberada com uso de tornozeleira eletrônica.

Em junho de 2025, no entanto, a Justiça revogou o benefício e decretou nova prisão, considerando a gravidade do crime incompatível com o regime de liberdade.

Alegações de violência doméstica

Na época do crime, Cláudia e sua defesa alegaram que o assassinato foi resultado de anos de violência doméstica, incluindo agressões físicas, psicológicas e financeiras, ao longo de mais de duas décadas de relacionamento.

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Em entrevista à época, ela relatou que chegou a procurar a Polícia Civil em 2019 para pedir medida protetiva, mas retirou a denúncia após o marido pedir uma reconciliação.

Cláudia relatou ainda que, no dia anterior ao crime, foi agredida por Valdemir após informar que participaria de uma viagem com colegas professoras. Segundo ela, o marido a ameaçou de morte caso insistisse na viagem.

No depoimento, Cláudia afirmou que, ao ser novamente ameaçada, teve um “surto”:
“Eu pensei: já que alguém vai morrer, então seja você.”

Enquanto dopava o marido com remédios para dormir, também aplicou os medicamentos de rotina. Esperou ele adormecer, o amarrou e o matou por asfixia. Durante o ato, disse que chegou a pensar em parar, mas desistiu temendo represálias.
“Se eu parasse e ele acordasse, ele iria me matar. Era eu ou ele.”

O caso gerou grande comoção na região e levanta debates sobre os limites da legítima defesa diante de contextos prolongados de violência doméstica.

O julgamento deve contar com forte repercussão local e a presença de representantes do Ministério Público, da defesa e da sociedade civil.

Vida marcada por abusos

Claudia nasceu em Chapecó (SC) quando sua mãe, que trabalhava como prostituta, tinha 16 anos. Uma irmã, nascida pouco depois, foi entregue para a adoção. Ela afirma que morou em uma casa “onde ficavam os filhos das prostitutas” até os quatro ou cinco anos e, com essa idade, foi levada pela mãe para a casa de uma senhora que a criou até os seus 12 anos.

Claudia disse ter começado a estudar aos 7 anos graças à ajuda de vizinhos, que arrecadaram material escolar doado e a matricularam em uma escola. O pai nunca a registrou como filha. “Eu conheci ele com 28 anos. E eu o vi só uma vez na vida”, contou ela.

Claudia disse ter 17 anos quando começou o namoro com Valdemir. Ele tinha 29. Após quatro meses de namoro, Claudia descobriu que Valdemir era casado e tinha três filhos. “Mas eu já estava apaixonada e acabei aceitando. A minha mãe proibiu o namoro, mas eu continuei saindo com ele escondida, e acabei engravidando”, conta.

Ela foi expulsa de casa e rompeu o relacionamento com Valdemir. A pedagoga relata que passou a gestação trabalhando como cuidadora de uma idosa.

Claudia disse só ter retomado o contato com Valdemir quando a filha contraiu pneumonia, com três semanas de vida. “Tive que ligar para ele e pedir dinheiro”, diz. Mesmo casado, o namoro foi reatado — e as agressões começaram. Ela cogitava terminar o relacionamento, mas sofria ameaças.

Claudia disse ter tentado fugir e até mesmo viver um outro relacionamento, já que não aceitava mais ser amante. Foi quando Valdemir deixou a esposa para viver com ela e a filha.

Mas ele sempre agia com violência quando contrariado. Agressões sem marcas visíveis. Ela disse que o marido tinha o cuidado de agredi-la em locais onde as marcas da violência não ficassem aparentes. Houve, segundo ela, uma escalada da violência.

“Uma vez, ele passou a noite inteira dizendo que iria me matar. Ele dizia que, se eu não obedecesse e não ficasse com ele, ele iria me matar. Eu sofria calada.”

Claudia relata que, em uma das discussões, tentou se jogar do carro em movimento. “Eu preferia morrer do que viver aquele inferno. Várias vezes eu quis morrer”, disse.

Ela contou ainda que a filha decidiu sair de casa quando tinha apenas 18 anos por não aguentar a convivência em casa. “E ela nunca mais voltou. Nunca mais falou com o pai.”