Assim que foi eleito papa, em 13 de março de 2013, o cardeal argentino Jorge Bergoglio mostrou seu desejo de ruptura, ao aparecer na varanda da basílica de São Pedro sem nenhum ornamento litúrgico.
O jesuíta sorridente e de linguajar franco representava um contraste com tímido Bento XVI, que havia renunciado ao cargo. E, provavelmente, já tinha em mente seu programa: a reforma da Cúria (o governo da Santa Sé), corroída pela inércia, e o saneamento das duvidosas finanças do Vaticano.
O ex-arcebispo de Buenos Aires, que nunca fez carreira nos corredores de Roma, queria “pastores com cheiro de ovelha” para devolver o dinamismo a uma Igreja cada vez menos presente e superada em muitas regiões pela vitalidade dos cultos evangélicos.
As pregações deste crítico do neoliberalismo destacaram reivindicações por maior justiça social, proteção da natureza e defesa dos migrantes que fogem das guerras e da miséria.
“Acabou com a demonização da homossexualidade, com os debates sobre relações extraconjugais ou sobre contraceptivos. Tudo isso saiu da primeira página”, declarou à AFP o vaticanista italiano Marco Politi.
“O papa introduziu na Igreja assuntos centrais das democracias ocidentais, como o meio ambiente, a educação, o direito”, destaca Roberto Regoli, professor na Pontifícia Universidade Gregoriana.
Ele também denuncia os conflitos que devastam o planeta, mas sem resultados concretos, como demonstram seus apelos por um fim da guerra na Ucrânia. Sua imagem, rezando sob a tempestade na praça de São Pedro vazia durante a pandemia ilustrou como poucas a necessidade de repensar a economia mundial.
Casos de pedofilia
A multiplicação dos escândalos sexuais na Igreja, da Irlanda à Alemanha, passando pelos Estados Unidos, tem sido um dos desafios mais dolorosos para o papa argentino.
Após os fracassos de uma comissão internacional de especialistas criada em 2014 e uma controversa viagem ao Chile em 2018 que terminou em uma série de notórias renúncias e exclusões, Francisco se desculpou publicamente por ter defendido um bispo de maneira equivocada. Ele também multiplicou suas desculpas às vítimas.
Em 2019, expulsou o cardeal americano Theodore McCarrick, condenado por agressões sexuais a menores. Este foi um gesto forte em sua promessa de “tolerância zero” contra esse tipo de ação.
O pontífice também criou uma comissão consultiva para a proteção de menores, que acabou sendo integrada à cúria.
Para enfrentar os escândalos de abusos sexuais de menores de idade por religiosos, Francisco aboliu o “sigilo pontifício”, que era utilizado por autoridades eclesiásticas para não comunicar tais atos. Um gesto importante, mas insuficiente para as associações de vítimas.
A cúpula inédita no Vaticano sobre a proteção de menores em 2019 deu origem a uma série de medidas: além da supressão do segredo pontifício sobre crimes de abuso sexual por parte do clero, a obrigação dos religiosos de denunciar qualquer caso à sua hierarquia, plataformas de ouvidoria em dioceses ao redor do mundo. Mas o segredo da confissão permanece inabalável.
Lutas de poder
O pontífice argentino queria descentralizar a instância e dar mais espaço aos laicos e às mulheres. Francisco levou novos ares a Roma: optou por viver em um apartamento sóbrio, rejeitando o suntuoso Palácio Apostólico, e, frequentemente, convidava à sua mesa moradores em situação de rua ou presidiários.
Um estilo que também rendeu críticas de setores que enxergam nele uma dessacralização de suas funções.
O primeiro papa latino-americano da História continua mobilizando os fiéis no exterior, mas também há quem o critique por um exercício extremamente pessoal de sua autoridade sobre 1,3 bilhão de católicos.
“Francisco mostrou um autoritarismo ao qual a Cúria não estava acostumada há muito tempo. E isso pode irritar”, disse à AFP um importante diplomata em Roma.
E a oposição dos setores mais conservadores da Igreja está mais viva do que nunca, apesar das mortes de dois de seus principais representantes: Bento XVI, falecido em dezembro, e o cardeal australiano George Pell, que faleceu em janeiro.
A Igreja questiona agora quem será o sucessor de Francisco. “As verdadeiras manobras para o conclave já começaram. Não são ações sobre nomes, e sim sobre a plataforma ideológica do futuro pontificado”, afirma Politi.
Francisco deu a entender em alguns momentos que poderia renunciar ao cargo. Mas, no momento, ele segue alterando o colégio cardinalício e já designou 65% dos nomes que definirão o próximo papa. E prepara vários eventos importantes, como uma reunião de bispos no fim do ano para discutir o futuro da Igreja.