Um momento raro de representatividade na televisão brasileira reacendeu discussões fundamentais sobre diversidade sexual. No capítulo da novela “Vale Tudo”, exibido ontem (10), o personagem Poliana, interpretado por Matheus Nachtergaele, revelou-se como assexual.
A cena teve impacto imediato: as buscas pelo termo “assexual” dispararam mais de 1000% no Google, segundo a plataforma Google Trends.
O interesse não se restringiu apenas a uma região, e sim em todo o país. Maranhão, Rio de Janeiro, Bahia, Amazonas e Piauí lideraram os acessos sobre o tema, refletindo um despertar nacional para uma orientação sexual ainda muito invisibilizada.
Redes sociais também foram tomadas por mensagens de apoio, relatos pessoais e dúvidas sobre o que significa ser assexual — e o que não significa.
Assexual não é assexuado: entenda a diferença
Uma das principais confusões em torno do termo “assexual” está na sua associação equivocada com a palavra “assexuado”. Embora pareçam semelhantes, seus significados são distintos:
- Assexuado: ausência de órgãos sexuais ou características primárias sexuais. É um termo usado na biologia, muitas vezes para se referir a seres vivos como bactérias, plantas ou certos animais que se reproduzem sem sexo.
- Assexual: trata-se de uma orientação sexual. Pessoas assexuais não sentem atração sexual por outras pessoas — ou sentem em níveis diferentes da norma estabelecida pela sociedade. Elas podem se relacionar afetivamente, amar, casar, ter filhos. O que muda é o desejo sexual, que pode estar ausente ou ser raro.
“Assexuado é patológico. Assexual é orientação”, explicam especialistas. E essa orientação, como todas as demais, não é uma escolha, nem resultado de traumas ou desequilíbrios hormonais.
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Um espectro amplo de vivências
A assexualidade é um espectro, o que significa que há diversas formas de vivê-la. Algumas pessoas nunca sentem desejo sexual. Outras sentem em momentos muito específicos, ou apenas quando estão envolvidas emocionalmente com alguém. Existem ainda as pessoas demissexuais, que só sentem atração após estabelecer vínculos afetivos profundos.
Essa diversidade interna costuma ser ignorada em uma sociedade fortemente sexonormativa e hipersexualizada, onde o sexo é visto quase como uma obrigação — e a ausência de interesse, como uma anormalidade.
Não é doença, nem disfunção
Em entrevista, a médica psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, fundadora do ProSex (Projeto de Sexualidade do Hospital das Clínicas da USP), destaca: “As pessoas que não fazem sexo e não sofrem por isso não precisam de tratamento, porque não estão doentes.”
O incômodo, segundo ela, só surge quando a falta de desejo contraria o próprio desejo da pessoa de ter uma vida sexual ativa.
Esse é o mesmo entendimento do DSM-5, manual internacional que classifica distúrbios mentais. A assexualidade só seria interpretada como parte do transtorno de desejo sexual hipoativo quando há sofrimento. Fora isso, trata-se de uma orientação legítima e saudável.
A importância da representação
A cena da novela trouxe para o horário nobre o que muitos brasileiros talvez nunca tenham visto: um personagem assumidamente assexual, sem caricatura ou julgamento. Para pessoas que se identificam com essa orientação — ou ainda estão em processo de descoberta —, a representatividade significa reconhecimento, validação e acolhimento.
A repercussão mostra que o Brasil está começando a ouvir e entender vozes que sempre estiveram à margem. E, mais que isso, mostra que a ficção pode — e deve — ser um reflexo da pluralidade da vida real.