As forças de segurança do Estado de Santa Catarina divulgaram nesta segunda-feira (17), o resultado da investigação sobre a tragédia que vitimou quatro crianças e deixou outras cinco feridas, na creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau, no dia 5 de abril. O autor dos crimes foi indiciado por quatro homicídios e cinco tentativas de homicídios.
“A gente esperava encontrá-lo bem menos agressivo, coisa que não aconteceu. Ele estava frio, contou como fez, disse que não se arrependia [do crime] e que faria de novo,” contou Ronnie Esteves, delegado responsável pela investigação. “É uma pessoa que não tem nenhuma condição de viver em sociedade. Nenhuma punição será suficiente para reparar o que ele fez.”
O agressor disse à polícia que decidiu fazer o ataque contra crianças porque elas “correm devagar”. Em depoimento, observou que uma das crianças chegou a rir para ele, achando que fosse uma brincadeira. Em seguida, ela acabou sendo assassinada.
Na coletiva de imprensa, a Polícia Civil divulgou detalhes do inquérito policial que foi remetido ao judiciário catarinense. Mais de 20 pessoas prestaram depoimento.
Para a Polícia, o investigado agiu sozinho e tinha a intenção de matar um número maior de crianças. O homem usou a moto para executar o plano e depois se entregou ao Batalhão da Polícia Militar de Blumenau.
“Por todo o exposto, considerando todos os elementos angariados no decorrer da investigação, conclui-se que, de plena consciência do fato, como também de livre e espontânea vontade, o homem foi o autor do crime”, disse o delegado-geral da Polícia Civil de SC, Ulisses Gabriel.
O delegado Ronnie Esteves contou que durante o registro do auto de prisão em flagrante, em momento algum o investigado se recusou a dar informações.
“No depoimento, a mãe disse que ele era uma pessoa, calma, normal, até começar a usar drogas e vender drogas para sustentar o vício. Ela só se deu conta de que ele estava usando drogas quando percebeu alteração no comportamento do filho”, diz Esteves.
Segundo a mãe, o comportamento começou a mudar quando ele passou a usar cocaína. “Um determinado dia a mãe chega em casa, o filho estava sentado e recebe a mãe com um questionamento, dizendo que havia um barulho no forro do quarto. A mãe, sem entender, disse ‘vamos lá, ver o que é’. Dentro do quarto, o filho pergunta: tá ouvindo”? E a mãe não estava ouvindo nada. Foi aí que ela começou a perceber que o filho estava diferente”, relatou o delegado.
“Em outra ocasião, o filho correu até o quarto da mãe, possivelmente alucinado, dizendo que estava sendo perseguido. No outro dia, afirmou que o padrasto entrou no seu quarto e implantou um chip no seu olho, para monitorá-lo”.
De acordo com Esteve, o assassino era usuário de drogas e “já estava vendo coisas”. O delegado disse, também, que o autor chegou a falar sobre a machadinha, o padrasto (o qual esfaqueou por ter alucinações), uma suposta perseguição e que faria algo grande a um amigo duas semanas antes do ataque.
O padrasto foi atingido por facadas no pescoço, no abdômen e no braço em 2011. Ele foi atacado após ter pedido que o enteado saísse de casa. Na época, disse ter pedido que saísse de casa por causa do consumo de drogas.
MANDANTE FICTÍCIO
O autor do ataque ainda tentou incriminar um policial militar como mandante pela morte das quatro crianças, segundo o delegado Ronnie Esteves. A hipótese foi descartada pela investigação.
“O autor fez academia onde o policial militar treina e esse policial nunca teve contato com ele. Ele tinha uma admiração e o interpretava como rival ao mesmo tempo”, diz.
“Ele começa a vender droga, procura afastar pessoas que poderiam impedir que levasse à frente essa vontade de consumo e venda. Então a gente acredita que ele possa ter pensado no policial [que tentou incriminar], que poderia ter feito algo contra ele”, diz.
O delegado da DIC de Blumenau, Rodrigo Raitz, responsável pela definição da dinâmica do crime, disse que foi feito um levantamento de todo o trajeto do criminoso, desde o momento que ele sai de casa até se entregar no Batalhão da PM.
“Ele saiu de casa às 8h03, foi na academia de ginástica por onde permaneceu por 23 minutos, percorreu diversas ruas até chegar à creche, pulou o muro e em 20 segundos matou quatro crianças e feriu outras cinco. Depois disso ele pegou a moto e se entregou ao Batalhão da PM. Antes disso ele passou por outras duas escolas, mas desistiu do ataque porque verificou que os muros eram muito altos.
Por meio de relatório de análise de extração de dados, observou-se que o investigado pesquisava na internet sobre ocultismos, seitas e magias. Após analisar as pesquisas feitas em navegadores de internet, a Polícia Civil comprovou que, no dia 15 de março, ou seja, 21 dias antes do ocorrido, o investigado procurou por modelos de machados.
A psicóloga Policial Civil Larissa Canali disse que no decorrer das investigações não apareceu nenhum diagnóstico oficial de que o criminoso tenha algum transtorno mental. “O histórico é de surtos possivelmente psicóticos, talvez potencializados pelo uso de drogas”, comentou.
Perícia
A perita-geral da Polícia Científica, Andressa Boer Fronza, destaca o trabalho pericial realizado no celular apreendido do criminoso, do qual foram extraídos até mesmo os dados já apagados para análise e investigação.
Perguntado sobre o resultado do exame toxicológico do autor dos homicídios, o superintendente regional da PCI em Blumenau, perito criminal Tiago Luchetta, revela que foi identificado a presença de cocaína, álcool e seus metabólitos. No entanto, Luchetta alerta que o laudo toxicológico é mais complexo que apenas um sim ou não.
“O laudo toxicológico, assim como a maioria dos laudos periciais, precisa ser interpretado de forma conjunta com os demais elementos de prova. Podemos dizer que o criminoso era usuário de drogas, mas ainda não podemos afirmar que ele estava sob efeito de entorpecentes naquele momento. São fatos que ainda serão apurados”, explica Luchetta.
Providências do Estado
O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello, que esteve em Blumenau logo após a ocorrência, determinou celeridade máxima nas investigações.
O sub-comandante-geral da Polícia Militar de SC, coronel Alessandro José Machado, enfatizou que a PM está atuando fortemente na Prevenção Escolar e desenvolve ações permanentes para evitar desordens e crimes nas escolas.
“Com o programa Rede de Segurança Escolar a PMSC está presente em mais de duas mil escolas, onde policiais militares efetuam policiamento de forma programada dentro e fora do ambiente escolar. Na última semana as ações de prevenção em colégios foram intensificadas. As escolas de todo o estado estão recebendo policiamento”, assinalou.
Para prevenir as práticas de terrorismo doméstico com múltiplas vítimas, com o de Blumenau, a PMSC irá difundir as novas técnicas de prevenção. A técnica consiste em treinar os professores e funcionários para se defenderem de possíveis ações criminosas. Na cidade de Blumenau mais de 400 professores já foram treinados.
Policiais de todo o Estado serão capacitados para serem multiplicadores do processo nas escolas. O treinamento consiste em orientar as vítimas em potencial a defenderem-se quando de um ataque de um agente invasor.
Além disso, através do Projeto Minha Escola a PMSC aumenta o efetivo para a segurança das escolas estaduais, utilizando policiais que trabalham em serviço administrativo em rondas escolares.
O subcomandante-geral do Corpo de Bombeiros Militar, coronel Renaldo Onofre Laureano Junior, disse que a instituição está trabalhando na capacitação online e presencial de professores. “O Corpo de Bombeiros está empregando todo o efetivo disponível em ações preventivas a fim de garantir tranquilidade para pais, professores, alunos e comunidade em geral”.
A investigação sobre este caso foi realizada pela Divisão de Investigação Criminal (DIC) de Blumenau em trabalho conjunto com os peritos da Polícia Científica de Santa Catarina e colaboração da Polícia Militar, Corpo de Bombeiros Militar e Secretaria da Educação do Estado.
O delegado-geral da PCSC, Ulisses Gabriel, fez um apelo à sociedade para que as pessoas não divulguem fake news e que, ao tomar conhecimento de uma informação, por meio de qualquer rede social, consultem os canais oficiais do governo.
“É preciso ter cuidado com as informações que se repassa. Estamos enfrentando uma enxurrada de fake news que causam pânico na população, que já está estressada”. O delegado-geral disse ainda que a mesma força que se usa para investigar uma informação verdadeira é igualmente empregada para investigar a fake news.