Você já deve ter ouvido falar — ou até praticado — “furto” de dinheiro na carteira do marido ou na bolsa da esposa, o famoso “pegar um dinheirinho emprestado sem pedir”. Mas será que isso é crime?
De acordo com o artigo 181, incisos I e II, do Código Penal, NÃO!
A lei diz que não responde por crime contra o patrimônio a pessoa casada que praticar furto, receptação, estelionato ou qualquer outro crime contra o cônjuge, enquanto estiverem casados — a situação se estende a companheiros durante a constância da união estável e também entre pai e filho e vice-versa.
O advogado criminalista e conselheiro seccional da Ordem dos Advogados do Distrito Federal, Anderson Costa, explica que esse tipo de situação é denominada “escusa absolutória”. Isso ocorre quando “as circunstâncias previstas na legislação impedem a punição de uma pessoa, mesmo que ela tenha cometido um crime”.
O benefício, no entanto, não é aplicável em três situações, de acordo com o artigo 183, também do Código Penal:
- Se crime é de roubo (furto com agressão) ou de extorsão e, em geral, quando há o emprego de grave ameaça ou violência ao dono do dinheiro
- Se a vítima tiver 60 anos ou mais
- Não se estende ao estranho que participa do ato junto com o beneficiado
O valor furtado pode ser ressarcido em algum momento?
O advogado explica que, apesar de afastar a responsabilidade penal, o cônjuge ou companheiro lesado em seu patrimônio pode recorrer ao direito civil para ser ressarcido em caso de divórcio.
“Havendo divórcio, independentemente de quem pratica a conduta, sendo homem ou mulher, o crime se materializa (…) O divórcio dissolve o vínculo matrimonial, o que não ocorre na separação judicial”, diz Anderson Costa.
Em caso de separação judicial, não convertida em divórcio, a ação penal que, em regra, é pública incondicionada — que não depende da vontade da vítima para que o Ministério Público, tendo as provas do crime, ofereça denúncia — , muda, se tornando pública condicionada à representação da vítima — em que o MP precisa da autorização da vítima.
Na ação penal pública condicionada, a autorização da vítima deve acontecer em até seis meses, contando do dia que ela soube quem foi o autor do crime. Sem a autorização, o MP não pode denunciar.
Nos casos entre pais e filhos, o lesado em seu patrimônio pode recorrer ao direito civil para ser ressarcido, independente da esfera.
“Um filho maior de 18 anos que furta o carro do pai, sendo o genitor menor de 60 anos, não será responsabilizado criminalmente, mas na esfera cível, o pai poderá processar o filho”, diz o advogado.
Mas a Lei Maria da Penha não protege o patrimônio da mulher?
De acordo com o advogado Anderson Costa, a Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006) não protege o patrimônio da mulher, caso o marido pegue dinheiro dela sem pedir.
“Seria uma verdadeira aberração jurídica permitir, por um lado, a prática, por uma mulher, de uma conduta tipificada na lei penal e, por outro, punir o homem ao praticar a mesma conduta. Seria legitimar a ofensa ao mais salutar dos princípios constitucionais: o da isonomia”, diz o especialista.
No entanto, a Lei Maria da Penha protege o patrimônio da mulher quando há “efetiva agressão ou emprego de força física contra a vítima”, como explica a advogada e professora de Direito Penal da Universidade Católica de Brasília, Mariana Madera.
A especialista destaca que o artigo 7º da Lei Maria da Penha conceitua violência doméstica ou familiar contra a mulher: a violência física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral.
“Entretanto, a violência patrimonial não se confunde com a violência física, que decorre de efetiva agressão ou emprego de força física contra a vítima, o autor fica isento da pena do crime patrimonial”, diz Mariana.
Dentro da Lei Maria da Penha existe a previsão de medidas cautelares específicas para a proteção do patrimônio da mulher ofendida ainda estando casada, como:
- Restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor
- Proibição temporária de celebração de contratos
- Adoção do regime de separação total de bens no casamento ou união estável
- Doação de bens com reserva de usufruto (possibilita que o doador já defina em vida quem será o beneficiário dos seus bens, reservando para si o usufruto desses).