Em março de 2019, um homem, morador do município de Rio das Antas, em Santa Catarina, fez uma série de comentários preconceituosos na publicação de uma rádio local que anunciou a morte de um africano, vítima de um acidente de trânsito. O acidente aconteceu na região de Erechim e a vítima morava em Concórdia.
Na postagem, o homem afirmou que o corpo do falecido poderia ser “jogado” em um rio que passa na cidade; e ainda: “levem embora, bota no frigorífico, pra não estragar”. O Ministério Público (MP) encaminhou denúncia contra o homem. Com base no inquérito policial do caso, o MP imputou a ele a prática do crime de discriminação e preconceito de raça, descrito no artigo 20 da Lei do Crime Racial.
O réu, ao ser interrogado, chegou a dizer que “viu melhor, com calma e leu integralmente a notícia, percebendo agora que se tratava de um ‘africano’ e que no dia 11/03/2019 (dia do comentário) ‘viu apenas de relance no seu celular, não lendo toda a notícia’; que no dia só viu que se tratava de uma pessoa falecida de outro país; que reconhece que precisa de óculos, especialmente para leitura, mas naquela época e até mesmo hoje não possui e então, ao mexer no celular, não enxergou direito“.
O juízo da Vara Criminal da comarca de Concórdia julgou improcedente a denúncia, absolvendo o réu sob o entendimento de que o fato não constitui infração penal. O Ministério Público interpôs recurso, alegando que havia provas suficientes para a condenação do réu.
Nos autos, consta que o acusado foi ouvido na fase policial e afirmou que o comentário que fez na publicação “não foi com má intenção ou mesmo por ser o falecido africano”. Alegou ainda que é nascido em cidade pequena e tem pouco estudo, “e o ‘povo da internet’ na época não entendeu direito o que falou, a sua opinião, e caiu de pau em cima”. Em juízo, o acusado permaneceu em silêncio. O filho dele foi ouvido e afirmou que o pai “falou uma besteira por estar alcoolizado”.
O desembargador relator da matéria destacou que o relato do homem na fase extrajudicial é suficiente para compreender o preconceito que ele sentia e que se manifestou em comentários discriminatórios.
“Ao contrário do que alega, os moradores das cidades pequenas e interioranas respeitam a diferença entre os povos e as culturas, tanto é verdade que, entre inúmeros comentários à morte da vítima, apenas as opiniões do apelado eram pejorativas e de cunho humilhatório”, anotou.
O magistrado acrescentou que o ato “revela-se, inequivocamente, um preconceito em relação à procedência nacional, pois a frase publicada contém raciocínio de que todo povo africano deveria ser tratado de forma desumana ou expulso do país”.
O réu não tem antecedentes. A pena foi fixada em dois anos de reclusão em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos – prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de dois salários mínimos.