A Operação Mensageiro, que colocou sobre a mira um suposto esquema de corrupção nas licitações sobre coleta de lixo, envolvendo o nome da empresa Serrana Engenharia Ltda, mostrou ser, até o momento, o maior e mais complexo esquema criminoso de propinas e superfaturamento de contratos públicos que já se teve notícia em Santa Catarina, segundo apontado pelo Ministério Público (MPSC).
O órgão, responsável pelo GAECO, não detalha as investigações, que ainda correm em segredo de justiça. O processo corre sob sigilo nível 5, que é o grau máximo de preservação das informações, contudo, alguns documentos, uns acessíveis e e outros sigilosos, que a reportagem do Canoinhas Online teve acesso, trazem pormenores interessantes, para não dizer vergonhosos.
O INÍCIO
A Operação Mensageiro é um desdobramento da Et Pater Filium, iniciada em 2020 e que levou pra cadeia o prefeito de Major Vieira, Orildo Severgnini, e os ex-prefeito de Canoinhas, Beto Passos, e de Bela Vista do Toldo, Adelmo Alberti. Em sua delação premiada, Alberti revelou outro esquema de propina envolvendo a prestação de serviço de coleta de lixo e esgoto, prestado pela empresa Serrana Engenharia. Ele teria apontado a existência de um “mensageiro” (daí o nome da Operação) que entregava a propina para os prefeitos.
O ‘mensageiro’ é apontado como sendo o empresário Altevir Seidel, ex-funcionário da Serrana. Apesar de ter deixado a empresa investigada em 2013, Seidel ainda seria o responsável por fazer a entrega de valores para agentes públicos [prefeitos, vices e secretários] envolvidos no esquema criminoso.
CIFRA DE MILHÕES
Supostamente, segundo o MPSC, as empresas do grupo Serrana mantém contatos espúrios com o alto escalão de dezenas de prefeituras catarinenses, e negociam a vitória em procedimentos licitatórios, antes mesmo da própria realização dos certames, em valores superfaturados na casa dos milhões de reais, em troca do pagamento de propina para principalmente prefeitos e secretários municipais. Contratos de Canoinhas e Três Barras são investigados.
Segundo planilhas dos próprios sócios da empresa, recuperadas por meio de dados telemáticos, em contratos que perfazem mais de R$ 34 milhões de reais, apenas R$ 10 milhões seriam destinados em si aos trabalhos prestados.
Outros R$ 4,5 milhões seriam para corrupção de agentes públicos e incríveis R$ 19.5 (dezenove milhões quinhentos mil reais) seriam lucro da empresa corruptora.
Sem qualquer atualização monetária, tem-se que os valores pagos à título de propina podem passar dos R$ 100 milhões de reais, ao passo que o lucro ilícito da empresa corruptora possivelmente já pode ter passado dos R$ 430 milhões.
Segundo o MPSC, agentes públicos e privados estão “depenando” o orçamento de dezenas de municípios do estado, com contratos milionários e superfaturados.
A dimensão do suposto esquema criminoso, ainda em face inicial de apuração, se comprovado, aparenta ser maior do que boa parcela do orçamento anual de dezenas, quiçá mais de uma centena de municípios catarinenses.
MOTIVO DE PIADA
No dia 6 de dezembro de 2022, o Grupo Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) e o Grupo Especial Anticorrupção (GEAC), estiveram em Canoinhas, e da prefeitura recolherem diversos documentos relacionados a contratos com a Serrana, responsável pela coleta de lixo no município.
No despacho, para cumprimento de prisão preventiva, constava o nome do ex-vice-prefeito, Renato Pike. O mandado não foi cumprido visto que Pike já estava preso, por conta de outra operação, a Et Pater Filium.
Após a ‘batida’ na prefeitura, em nota a prefeita Juliana Maciel informou que toda documentação solicitada pelo Gaeco, Geac e Ministério Público “foi cedida tranquilamente pelo Governo do Município que repudia toda e qualquer forma de corrupção”. Dias depois, Juliana Maciel determinou a revogação do processo licitatório que teve como vencedora a Serrana.
Sobre os procedimentos licitatórios, o Ministério Público pontuou que há relatos de que alguns tornaram-se verdadeiras “piadas” entre os servidores municipais de algumas cidades, apontando especificamente Canoinhas.
Segundo esses relatos, todos os licitantes, (supostamente liderados pela Serrana que, não por acaso, logrou-se vencedora) teriam vindo até o município em um mesmo veículo, sabendo, em tese, que a vitória da Serrana já havia sido negociada. Desta feita, a presença deles seria apenas ‘de fachada’.
Como houve um mandado de prisão contra Renato Pike, supõe-se que ele estaria a par do esquema. Como dito antes, por o processo estar em sigilo máximo, ainda não há detalhes e/ou confirmação da participação de Pike em mais esse esquema de corrupção.
O que se sabe é que a defesa do ex-vice-prefeito conseguiu uma liminar em habeas corpus em face da operação Et Pater Filium, porém ele continua preso por suposto envolvimento na Operação Mensageiro.
RASTRO DO CRIME PERSONALIZADO
Um documento sigiloso, o qual o Canoinhas Online teve acesso, mostra um esquema/ forma, literalmente inacreditável de pagamento de propina à prefeitos, feito pela Serrana Engenharia, segundo o MPSC.
Quando do cumprimento do mandado de busca e apreensão na residência do Prefeito Municipal de Itapoá, Marlon Roberto Neuber, o Gaeco encontrou a surpreendente quantia de R$ 180.330,00 em dinheiro vivo, além de cheques no valor de R$ 100 mil reais, havendo indicativos concretos e robustos de tratar-se de dinheiro oriundo da propina paga ao prefeito pelo “mensageiro” Altevir. Neuber foi preso no dia 9 de dezembro, quando voltava de viagem ao exterior, onde passava férias.
Mais do que a vultosa quantia encontrada em dinheiro vivo, surpreendeu a forma como
estava acondicionado os valores. Estavam alocados em envelope com o nome do prefeito e, não bastasse, em uma caixa de madeira com a insígnia da empresa. Confira-se em
imagens:
Marlon Neuber é um dos sete prefeitos presos, até o momento, na Operação Mensageiro. Foram presos também Joares Ponticelli (Tubarão), Luiz Henrique Saliba (Papanduva), Antônio Ceron (Lages), Deyvison Souza (Pescaria Brava), Vicente Corrêa Costa (Capivari de Baixo) e Antônio Rodrigues, prefeito de Balneário Barra do Sul.
Saliba passou por audiência de custódia e teve a prisão preventiva mantida. Vereadores de Papanduva pedem a cassação do mandato do prefeito.
Ao todo, até agora, já foram cumpridos 121 mandados de busca e apreensão e 22 mandados de prisão. O único que teve a prisão preventiva convertida em domiciliar é o prefeito de Lages, Antônio Ceron. Ele foi solto na última quarta-feira (15) mediante ao uso de tornozeleira eletrônica.
PERICULUM LIBERTATIS
O periculum libertatis é o fundamento da prisão preventiva. Na República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito, prevalece a liberdade de todo indivíduo, sendo a prisão uma medida de caráter excepcional. A presunção do estado de inocência consiste na garantia de que “ninguém será considerado culpado até que saia uma sentença penal condenatória”.
Como acontece com todo princípio constitucional, nem a liberdade, nem a presunção da não culpa são absolutos. Isso significa que entre todos esses acusados, possa haver inocentes. Ou não. A Operação Mensageiro está em sua 3ª fase e não se vislumbra quantas ainda virão.