Mauro Gilberto Soares, 61 anos, observava com tristeza e impotência do telhado de sua casa um porco lutando contra a correnteza por cerca de uma hora. “Parecia que ele pedia socorro. E me senti culpado por não oferecer um lugar seguro”, lamentou o produtor rural. Soares, sua família e alguns vizinhos foram resgatados após passarem a noite no sótão da residência, mas quase todos os animais da propriedade foram arrastados pela força do rio Taquari.
As enchentes que assolam o estado do Rio Grande do Sul têm causado sofrimento não só às pessoas, mas também aos animais. A história de Caramelo, um cavalo resgatado em Canoas após passar quatro dias ilhado em cima de um telhado, juntamente com o salvamento de inúmeros bichos de estimação, têm comovido pessoas em todo o Brasil e no mundo.
A ONG Brasil Sem Tração Animal compartilhou imagens que mostram um campo com 15 cavalos mortos, em uma área rural de Parobé, na região metropolitana de Porto Alegre. Os animais ficaram amarrados em árvores e morreram afogados.
Segundo o governo do estado, cerca de 12 mil animais já foram resgatados, a maioria cães e gatos. No entanto, o número de animais de produção perdidos nas enchentes ainda é incalculável. Produtores rurais enfrentam uma mistura de dor pelas perdas de vacas, bois, touros, porcos e galinhas, além dos prejuízos econômicos.
O Drama dos Produtores Rurais
Mauro Gilberto Soares relutou em deixar sua propriedade por causa dos 44 bovinos e 15 suínos que criava. Ele tentou colocar os animais em áreas mais seguras, mas a força da água foi implacável. “Foi aterrorizante. A gente cria os animais para matar, mas não para ver sofrer. Dói muito, é muito triste”, contou.
Sofrimento Animal nas Enchentes
A bióloga Patricia Tatemoto, PhD em Medicina Veterinária e gerente de pesquisa e bem-estar animal da ONG Sinergia Animal, explica que todos os vertebrados sentem dor e reconhecem situações desafiadoras.
Os animais de pecuária, muitas vezes confinados em espaços restritos, não têm como fugir ou buscar abrigo em áreas elevadas, o que agrava seu sofrimento durante as enchentes.
“Grande parte dos animais na pecuária são criados em altas concentrações e são impossibilitados de fugir ou de buscar abrigo em áreas mais elevadas, como fariam na natureza. Eles não têm opção. Ficam presos em galpões ou até mesmo em gaiolas individuais como é o caso das porcas gestantes e de centenas de bezerros na indústria do leite. Em caso de enchente, esses animais podem agonizar por horas ou até dias antes de se afogar”, explica a bióloga.
Consequências Prolongadas
A professora Liris Kindlein, do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), prevê que as consequências para o bem-estar animal e para os produtores rurais durarão meses. Os animais que conseguiram fugir das áreas alagadas provavelmente perderam peso, ficaram desidratados e sofreram estresse.
Além disso, a falta de logística devido às estradas obstruídas e a escassez de grãos coloca muitos animais em risco de fome. “É um grande problema. Eles vão ter jejum, vão passar fome. Vai afetar o bem-estar animal com certeza. Quando se coloca comida, eles competem, então tem mais arranhões, prejuízos de bem-estar animal”, conclui Kindlein.
A tragédia no Rio Grande do Sul expõe a vulnerabilidade não só dos seres humanos, mas também dos animais frente às catástrofes naturais, ressaltando a necessidade de planos de emergência que considerem todas as vidas envolvidas.